Pe. Mario Marcelo Coelho*
Ao lermos o Evangelho de Lucas 1,59ss que relata toda a situação em torno da concepção, nome e circuncisão de João Batista, o fato de Zacarias, seu pai, ficar mudo até anunciar o nome de João, o temor e comentários dos vizinhos: “E todos que ouviam isso, diziam pensativos: “O que será deste menino?”, pois a mão do Senhor estava com ele” (v. 66), este questionamento que o povo fazia sobre o futuro de João Batista é o mesmo que todos nós fazemos quando nasce uma criança.
O desenvolvimento de uma criança, a formação de sua personalidade e de sua fé é um processo contínuo e desafiador para a própria pessoa e para aqueles que estão à sua volta: “O que será deste menino, desta menina?”. Ser um homem e uma mulher equilibrados, constantes, estruturados na fé e na graça em Deus é um encontro de duas vontades, da graça de Deus que nos é oferecida gratuitamente e da construção da pessoa. Ser virtuoso é Dom de Deus, mas também construção humana.
Aqui entra a necessidade e importância das Virtudes. É na vivência das virtudes, ou seja, na prática de hábitos bons, que vamos “crescendo”, ser virtuoso é ser pessoa. As virtudes são, então, como que uma força habitual, que não desaparece com facilidade, que nos leva a viver retamente, praticando o bem e evitando o mal. Elas sempre acompanham a graça santificante.
Os tratados de virtudes dão às vezes a impressão de um supermercado de alimentos enlatados. Basta comprar umas latas, abri-las, comer o conteúdo e a saúde das pessoas em termos de virtudes está garantida. Maior conhecimento teórico, porém, não produz automaticamente o crescimento do homem virtuoso. O saber por si não constrói, talvez dilate (1Cor 8,1); só movimenta o homem quando ele começa a praticar o que sabe.
Ser virtuoso é uma tarefa a ser desenvolvida. A comunicação destas por parte de Deus não garante, por si, que as sementes lançadas caiam em terra boa e produzam os frutos esperados (Mt 13, 23). As virtudes pertencem à intimidade das pessoas, expressam-se na práxis, crescem e criam raízes pela práxis: “Felizes, antes, os que ouvem a palavra de Deus e a praticam” (Lc 11,28). Ninguém nasce com uma coleção de virtudes feitas, de modo que o futuro de uma criança sempre repete a pergunta aberta: que será deste menino ou menina? (Lc 1,66).
A virtude pressupõe que a pessoa seja livre (Cf Eclo 15,14). Ao agir, a pessoa humana não somente realiza ações boas ou más; no momento em que as realiza livremente, ela se torna boa ou má, configurando a própria personalidade de acordo com os hábitos adquiridos. A pessoa que se ocupa do bem se torna essencialmente boa.
As Sagradas Escrituras mencionam uma diversidade de virtudes. Para o magistério católico elas são diferenciadas em dois grupos: as que ajudam nossa vida ética natural e que são naturais e adquiridas – virtudes cardeais: prudência, justiça, fortaleza e temperança; e as que guiam nossa vida sobrenatural proveniente da graça Divina, que nos auxiliam na vida nascida da graça santificante – virtudes teologais ou infusas: fé, esperança e caridade.
A pessoa que se dispõe a viver e a acolher segundo as exigências de determinados valores adquire pré-disposições para tal comportamento que aos poucos se tornam hábitos operativos. Virtudes não são realidades anexas ou acessórias da vida moral. O hábito virtuoso não é algo que se acrescenta à personalidade operativa pessoal, mas é o desenvolvimento da própria personalidade segundo uma escala de valores. É esta mesma potencialidade que se desenvolve e se auto-dispõe a agir conforme uma alta escala de valores. A virtude é um hábito que aperfeiçoa as faculdades operativas, orientando-as ao bem, tornando a própria pessoa que a realiza boa.
As virtudes apontam para aquilo que é e o que deve ser o ser humano. Não se trata de ter virtudes, mas de ser virtuoso, diz respeito àquilo que é constitutivo do ser humano. Estamos sempre dispostos a reconhecer e dar precedência a certos valores que a outros. Ex: Escolho vencer a competição treinando de forma justa ou enganando a mim mesmo e aos outros por meio do uso de técnicas ilícitas; escolho construir minha vida de forma honesta ou praticando a desonestidade roubando ou fraudando; escolho viver meu matrimônio na fidelidade ou sendo infiel, desonroso com minha esposa ou com meu esposo; etc. Ser bom, honesto, verdadeiro, justo, caridoso, fiel é reconhecer o valor que há em agir virtuosamente e, por outro lado, é repugnante pensar em envolver-se em atos ilícito e desonestos. Se tal disposição está profundamente radicada em mim, mesmo que surjam ocasiões para praticar atos ilícitos, será bem fácil reconhecer que tais ações seriam más e, portanto, não devem ser realizadas.
Escolher comportar-se de certo modo não significa ainda cumprir a ação que foi escolhida. Para realizar o bem conhecido (ou para resistir ao mal conhecido) é necessária uma força interior, um vigor, uma determinação, uma tenacidade que nos faz superar tais desejos às quais inevitavelmente estamos sujeitos. Sendo assim, a repetição de certos tipos de atos reforça em nós a tendência a assumirmos certo tipo de comportamento. Ao agir, a pessoa humana não somente realiza ações boas ou más; no momento em que as realiza livremente, ela se faz a si mesma boa ou má, plasmando a própria personalidade.
Deus é o criador, o artista que não se repete na virtude dos homens que cria. Deus não usa de modelos comuns nem trabalha com linha de produção. Sua originalidade se expressa na unicidade singular de cada pessoa, também na configuração de suas virtudes. Santos, sejam grandes, sejam pequenos de cada dia, nunca são iguais nem uniformes.
Em nossas preces peçamos a Deus a graça de sermos virtuosos e conquistarmos uma vida boa e santa.
*(Doutorando no Instituto Superior de Teologia Moral (Alfonsiana) em Roma, Mestre em Zootecnia pela Universidade Federal de Lavras - MG (UFLA-MG). Licenciado em Filosofia pela Fundação Educacional de Brusque - SC (FEBE). Bacharel em Teologia pela PUC - RJ. Mestre em Teologia Prática (núcleo MOral), pelo Centro Universitário Assunção - SP. Autor e assesor na área de Bioética e Teologia Moral. Professor da Faculdade Dehoniana, Taubaté, SP)
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