Um espanhol ateu bondoso e gentil amigo meu que faleceu há quase 40 anos, numa conversa apaixonada que teve comigo a respeito de Deus, padre jovem que eu era, disse com lágrimas nos olhos.
- Se o jovem padre acha que Deus existe e, se o padre estiver certo, então diga a Deus que me receba com carinho lá no céu, porque aqui na terra eu lutei pela liberdade do meu povo, pelos mais desgraçados e gostei muito de estar vivo.
Nossa conversa durara mais de três horas, ele colocando suas dúvidas e eu tentando entendê-lo, mas sustentando minha fé. Ele tinha a vantagem de ter vivido e lutado em duas guerras. Vira mais do que eu e sabia mais de dor, de filosofia de vida, de sobrevivência e de morte que eu com meus 27 anos. Eu tinha a vantagem de não ter sido tão machucado pela vida. Ainda sonhava. Ele perdera os sonhos e, com eles, a fé.
Respeitei-o. Disse-lhe que achava que ele veria Deus e seria recebido com festa por muita gente que ajudou, na sua mercearia. Esboçou um sorriso feliz. Morreu algumas semanas depois, dizendo aos familiares que iria para o desconhecido, mas iria sem medo. E foi.
A memória deste ateu que morreu pensando em Deus, tendo como garantia, não a sua fé, mas o seu amor pelos pobres e sofredores, acompanhou, minhas pregações por muitos anos. São Paulo diz que um dia o que vai permanecer é o amor ( ). A fé e a esperança que o Sr. José havia perdido voltaram naquela sua frase final: “_Diga a Deus que me receba com carinho lá no céu”. Sem ter lido a Bíblia, ele repetira o que Mateus afirma no capítulo 25 verso 34 de seu evangelho. Considerava-se bendito por Deus e esperava sê-lo porque, na sua mercearia, deu de comer e de beber e matou a fome de muitos pobres.
Muitas vezes, quando penso em Deus, me vem a memória de Don José: ateu espanhol que viveu questionando Deus e morreu se questionando sobre Deus. Se um ateu gasta tanto tempo de sua vida preocupado com Deus, porque alguém batizado em nome de Jesus não faz o mesmo? Minhas canções “Estou pensando em Deus” e “Cantiga por um ateu” foram compostas depois daqueles encontros. Como ele, eu gostaria de morrer pedindo perdão aos que magoei, pensando em Deus e sem medo nenhum do desconhecido.
Tenho a impressão de que, ao chegar ao céu, ele descobriu que, afinal, o céu não lhe era tão desconhecido. Aqueles pedaços de bacalhau e de pão que ele havia dado a milhares de pobres nos últimos 30 anos sua vida valeram-lhe um ingresso festivo no Paraíso. Imagino que aqueles pobres retribuíram orando por sua conversão. Conseguiram! Morreu querendo ver o Deus que, irado, muitas vezes negara! Achar Deus sem achar que o tinha achado!
Toque nossa mente a palavra de Jesus. Um fariseu egocêntrico, exibido e marketeiro que se achava justo, achou que tinha achado porque era ( ) dizimista e bom de oração, mas não achara. Um publicano de pouca fala, reconheceu que era pecador e pediu perdão. Nem ousava levantar os olhos ( ). O que parecia santo não achou Deus. O que parecia menos santo, achou-o! Foi premiado por ser verdadeiro e humilde. Vindo de Jesus, a parábola faz pensar, mil vezes. Será mesmo que achamos o que dizemos ter achado? Nossa fé é suficientemente humilde para isso? A pergunta permanece!
Pe. Zezinho
Texto extraído do livro “O Deus que achamos ter achado”. Editora Paulinas.
Pe. Zezinho
Texto extraído do livro “O Deus que achamos ter achado”. Editora Paulinas.
0 comentários:
Postar um comentário